sábado, janeiro 06, 2007

Clarice Lispector





"Eu não escrevo o que quero, escrevo o que sou."

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"Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido.
Eu não: Quero é uma verdade inventada."

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Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.

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Mas há a vida que é para ser intensamente vivida, há o amor. Que tem que ser vivido até a última gota. Sem nenhum medo. Não mata.

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Nasci dura, heróica, solitária e em pé. E encontrei meu contraponto na paisagem sem pitoresco e sem beleza. A feiúra é o meu estandarte de guerra. Eu amo o feio com um amor de igual para igual. E desafio a morte. Eu - eu sou a minha própria morte. E ninguém vai mais longe. O que há de bárbaro em mim procura o bárbaro e cruel fora de mim. Vejo em claros e escuros os rostos das pessoas que vacilam às chamas da fogueira. Sou uma árvore que arde com duro prazer. Só uma doçura me possui: a conivência com o mundo. Eu amo a minha cruz, a que doloridamente carrego. É o mínimo que posso fazer de minha vida: aceitar comiseravelmente o sacrifício da noite.

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Se o meu mundo não fosse humano,

também haveria lugar para mim:

eu seria uma mancha difusa de instintos,

doçuras e ferocidades,

uma trêmula irradiação de paz e luta:

se o mundo não fosse humano eu me arranjaria sendo um bicho.

Por um instante então desprezo o lado humano da vida e experimento a silenciosa alma da vida animal.

É bom, é verdadeiro, ela é a semente do que depois se torna humano.

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