segunda-feira, fevereiro 26, 2007

*


Quando eu te fujo e me desvio cauto
Da luz de fogo que te cerca, oh! Bela,
Contigo dizes, suspirando amores:
Meu Deus! Que gelo, que frieza aquela!
Como te enganas! Meu amor é chama
Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco...
És bela - eu moço;
Tens amor - eu medo!...
Tenho medo de mim, de ti, de tudo,
Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes,
Das folhas secas, do chorar das fontes,
Das horas longas a correr velozes.

O véu da noite me atormenta em dores,
A luz da aurora me intumesce os seios,
E ao vento fresco do cair das tardes,
Eu me estremeço de cruéis receios.
É que esse vento que na várzea - ao longe,

Do colmo o fumo caprichoso ondeia,
Soprando um dia tornaria incêndio,
A chama viva que teu riso ateia!
Ai! Se abrasado crepitasse o cedro,
Cedendo ao raio que a tormenta envia,
Diz: - que seria da plantinha humilde,
Que à sombra dele tão feliz crescia?

A labareda que se enrosca ao tronco,
Torrara a planta qual queimara o galho;
E a pobre nunca reviver pudera,
Chovesse embora paternal orvalho!
Ai! Se eu te visse no valor da sesta,
A mão tremente no calor das tuas,
Amarrotado o teu vestido branco,
Soltos cabelos nas espáduas nuas!...

Ai se eu te visse, Madalena pura,
Sobre o veludo reclinada a meio,
Olhos cerrados na volúpia doce,
Os braços frouxos - palpitante o seio!...

Ai se eu te visse em languidez sublime,
Na face as rosas virginais do pejo,
Trêmula a fala a protestar baixinho...
Vermelha a boca, soluçando um beijo!...
Diz: - que seria da pureza d'anjo,
Das vestes alvas, do candor das asas?
Tu te queimaras, a pisar descalça,
Criança louca,
Sobre um chão de brasas!

No fogo vivo eu me abrasara inteiro!
Ébrio e sedento na fugaz vertigem
Vil, machucara com meu dedo impuro
As pobres flores da grinalda virgem!
Vampiro infame, eu sorveria em beijos
Toda a inocência que teu lábio encerra,
E tu serias no lascivo abraço,
Anjo enlodado nos pauis da terra.

Depois... desperta no febril delírio,
Olhos pisados - como um vão lamento,
Tu perguntaras: - qu'é da minha c'roa?...
Eu te diria: - desfolhou-a o vento!...

Oh! Não me chamas coração de gelo!
Bem vês: traí-me no fatal segredo.
Se de ti fujo é que te adoro e muito,
És bela - eu moço;
Tens amor, eu - medo!...
Casimiro de Abreu/Outubro - 1858

Nenhum comentário: