sexta-feira, dezembro 22, 2006

O Teu Riso



Tira-me o pão,
se quiseres,
tira-me o ar,
mas não me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito brota da tua alegria,
a repentina onda de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso com os olhos cansados
às vezes por ver que
a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, nos momentos
mais escuros solta o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso será
para as minhas mãos
como uma espada fresca.

À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosada
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia,
da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.

Pablo Neruda

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